ago/2021

Caçadores do filme perdido: pesquisadores buscam, no Brasil, a obra-prima de Orson Welles

Por André Barcinski

Caçadores do filme perdido: pesquisadores buscam, no Brasil, a obra-prima de Orson Welles

Por André Barcinski

O documentarista norte-americano Joshua Grossberg e o produtor Gary Greenblatt estão prestes a embarcar para o Brasil numa missão que fascina pesquisadores de cinema há quase 80 anos: descobrir a cópia perdida do clássico “Soberba” (“The Magnificent Ambersons”), de Orson Welles. Segundo eles, é a única cópia que traz o filme em sua totalidade. “Essa cópia é nosso Rosebud”, brinca Grossberg, referindo-se ao mistério que marca a trama de “Cidadão Kane”, filme mais celebrado de Orson Welles.

Os dois estão trabalhando no documentário “The Lost Print: The Making of Orson Welles’ ‘The Maginificent Ambersons’”, que deve estrear nos Estados Unidos em 2022, 80º aniversário de “Soberba”.

Em 1942, Welles veio ao Brasil rodar “It’s All True”, um filme de episódios parcialmente bancado pelo governo dos Estados Unidos em seu esforço de promover o intercâmbio entre países americanos. O diretor chegou ao Rio de Janeiro no Carnaval, apenas dois dias depois de terminar a montagem de um corte de seu segundo longa-metragem, “Soberba”.

O montador Robert Wise, com quem Welles havia trabalhado em “Cidadão Kane” (e que viria a dirigir clássicos como “A Noviça Rebelde” e “Amor, Sublime Amor”) enviou a Welles, no Rio, uma cópia completa de “Soberba”, para que o cineasta pudesse assistir e fazer sugestões para a montagem.

Enquanto Welles estava no Rio, o estúdio RKO promoveu duas sessões-teste de “Soberba” na Califórnia, e os resultados foram desastrosos. O público odiou o tom sombrio da história, e a RKO decidiu cortar o filme. “Eles destruíram meu filme e depois me despediram”, disse Welles. “Aquilo me arruinou”.

A versão original de Welles para “Soberba” tinha 43 minutos a mais do que o filme que acabou lançado nos cinemas. E a única cópia remanescente dessa versão integral, acreditam Grossberg e Greenblatt, pode estar no Brasil: “Não existe registro de que Welles tenha trazido a cópia de volta aos Estados Unidos, ou de que ela tenha sido destruída no Brasil”, diz Greenblatt (infelizmente, boa parte dos negativos originais foi destruída, incluindo os 43 minutos a mais da versão integral).

Outra pista: nos anos 1990, Grossberg esteve no Brasil e conheceu o cineasta Rogério Sganzerla (1946 – 2005), um obcecado por Welles. Sganzerla o apresentou ao arquivista Michel do Espírito Santo, que jurou ter visto, nos anos 1950, rolos da RKO nos arquivos da produtora brasileira Cinédia.

“Sabemos que as instituições e arquivos no Brasil sempre sofreram com falta de recursos e investimentos”, diz Greenblatt. “Não é incomum, nesses casos, que filmes sejam arquivados sem registros, ou com informações incompletas. Sabendo que o título do filme no Brasil, ‘Soberba’, não tem nada a ver com o original em inglês, e que Welles não atua no filme, é possível que algum colecionador tenha a cópia e não sabia que se trata de uma obra tão importante”.

Um caso recente anima os pesquisadores: em 2008, uma cópia integral de “Metropolis”, o clássico do Expressionismo Alemão dirigido em 1927 por Fritz Lang, foi encontrada num arquivo em Buenos Aires.

A briga de Welles com a RKO por causa de “Soberba” impactou imensamente a carreira do cineasta. Expulso do estúdio, ele perdeu o financiamento para “It’s All True” que nunca foi terminado. Welles passou seis meses no Brasil e, quando voltou aos Estados Unidos, sua imagem em Hollywood era a de um artista arrogante e teimoso, que não se conformava em obedecer às regras do “studio system” então em voga.

Welles levaria cinco anos para voltar a dirigir um filme, “A Dama de Shanghai”, e passou a ter cada vez mais dificuldades para financiar seus filmes. “A destruição de ‘Soberba’ teve em um efeito devastador na carreira de Welles”, diz Grossberg.

Grossberg e Greenblatt sabem que existe uma chance muito grande de não encontrarem a cópia. “Sim, sabemos que é uma grande possibilidade”, diz Greenblatt. “Mas o importante é a jornada. Com certeza não voltaremos do Brasil sem saber o que aconteceu com os rolos”. Grossberg complementa: “Achar a cópia original é nosso objetivo, mas o importante é contar a história de Welles no Brasil e de como um sujeito que foi jogado fora em Hollywood se tornou um modelo para cineastas independentes. Nosso documentário será uma homenagem a ele e será dedicado a Rogério Sganzerla”.

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