jan/2025

Crítica: “Anora”

Por André Barcinski

Crítica: “Anora”

Por André Barcinski

Um dos nomes mais interessantes do cinema norte-americano contemporâneo é Sean Baker. O cineasta tem 53 anos, é nascido e criado em Summit, New Jersey (por coincidência, cidade em que morei nos anos 1970), e tem se notabilizado por filmes pessoais e emocionantes sobre personagens marginalizados.

“Red Rocket” (2021) é sobre um ator pornô que larga o cinema adulto e quer retomar a vidinha pacata que tinha numa pequena cidade do Texas. O excelente “Projeto Flórida” (2017) conta a vida de uma menina de seis anos morando com a mãe num brega e decrépito motel na Flórida, vizinho à Disney. São dois filmaços que merecem ser vistos.

Agora, nada poderia nos preparar para “Anora”, o mais recente filme de Baker e vencedor da Palma de Ouro em Cannes, que estreou esses dias em cinemas no Brasil. O filme é uma joia rara, uma comédia “screwball” amalucada e engraçadíssima sobre um tema pra lá de pesado: a vida de dançarinas eróticas em Nova York.

A Anora do título é Ai Mikheeva (Mikey Madison), uma jovem de 23 anos que mora em Brighton Beach, tradicional bairro da comunidade russa no Brooklyn, e ganha a vida fazendo strip-tease numa boate em Manhattan. Um dia, ela conhece na boate Ivan, ou “Vanya” (Mark Eydelshtein), um mauricinho russo que se encanta por Anora e paga para ela passar uma semana com ele. O que Anora não sabe é que Vanya é filho de Nikolai Zakharov, um oligarca russo com negócios escusos.

Com Vanya, Anora descobre um mundo novo de aviões particulares, festas em mansões nababescas e fins de semana de luxo e ostentação em Las Vegas. A paixão de Vanya por Anora é tão grande que ele a pede em casamento – e é aí que as coisas começam a degringolar. A família do oligarca não vai deixar seu principezinho casar com uma “garota de programa”.

“Anora” é um filme surpreendente. Tudo leva a crer que estaríamos diante de mais um drama corriqueiro sobre uma pobre vítima da sociedade, uma prostituta de “coração de ouro” que tem a chance dourada de mudar de vida. Mas Sean Baker é um diretor inteligente demais para apelar a moralismos baratos e soluções fáceis e fez uma comédia que remete a grandes cineastas do passado – Lubitsch, Capra, Wilder – mas com um cenário e tema muito atuais. Baker mergulha no submundo da comunidade russa em Nova York, com gângsteres, capangas e assassinos de aluguel, mas sem nunca apelar a clichês.

Uma característica marcante de “Anora” é que TODOS os personagens – até um musculoso e assustador segurança do oligarca – são interessantes e têm vida própria. Ninguém está ali apenas para cumprir um papel dentro da trama, mas para adicionar humanidade à história. A própria Anora é um exemplo: diferentemente de outras garotas de programa que já vimos em filmes, ela não é uma ingênua presa à sua revelia numa trama, mas uma personagem esperta e maquiavélica, que sabia exatamente onde estava se metendo. O filho playboy do oligarca, interpretado por Mark Eydelshtein, é muito engraçado em sua irresponsabilidade e desdém pelas convenções. Chapado o tempo todo, vive num mundo de videogames, drogas caras e sexo barato, e trata os funcionários do pai como escravos.

O filme se divide em três atos: o primeiro mostra o encontro entre Anora e Vanya e o início bombástico do namoro dos dois; o segundo – o mais engraçado – tem os capangas do oligarca tentando desesperadamente anular o casamento, e o terceiro mostra os pais do playboy vindo da Rússia para resolver a situação. Nessa trajetória, encontramos pelo caminho personagens e situações engraçadíssimas, que deixam a história toda com um toque até surreal, de tão inusitadas.

“Anora” é caso raro de uma comédia inteligente e que trata de personagens que vivem à margem da sociedade, mas que aqui são mostrados sem um pingo de moralismo ou julgamento. As pessoas são o que são. E Sean Baker é o que há.

Um ótimo fim de semana a todas e todos.

21 comentários em "Crítica: “Anora”"

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