maio/2025

O século de Gatsby

Por André Barcinski

O século de Gatsby

Por André Barcinski

“O Grande Gatsby” está fazendo 100 anos. Lançado em 1925 por F. Scott Fitzgerald, um escritor de apenas 28 anos, o romance foi praticamente ignorado à época do lançamento, mas hoje é considerado uma obra-prima da literatura norte-americana e continua a ser reverenciado em relançamentos, debates, teses, filmes e peças da Broadway.

Mais que isso: “O Grande Gatsby” virou uma referência estética e cultural. Quando alguém quer aludir ao otimismo e ostentação da “Era do Jazz” dos anos 1920 nos Estados Unidos, é no livro de Fitzgerald – e principalmente em seu personagem-título, um magnata misterioso e melancólico, cuja fortuna veio ninguém sabe de onde – que buscam inspiração, em frases como “O dinheiro não pode comprar felicidade, mas pode comprar um barco para ir até lá”, ou na famosa descrição do sorriso de Gatsby: “Era um desses sorrisos raros que têm em si algo de segurança eterna, um desses sorrisos com que a gente talvez se depare quatro ou cinco vezes na vida. Um sorriso que, por um momento, encarava – ou parecia encarar – todo o mundo eterno, e que depois se concentrava na gente com irresistível expressão de parcialidade a nosso favor”.

Talvez a obra de Fitzgerald ecoe com tanta força hoje por ter antecipado ondas como o culto a celebridades, o fascínio pela vida dos ricos e famosos e o louvor à ostentação. Não é à toa que a cultura do hip hop, com sua celebração da ascensão pessoal e do poder da grana, abraçou Gatsby como um dos seus. A trilha sonora de uma das versões do livro para o cinema, dirigida em 2013 por Baz Luhrman e com Leonardo DiCaprio como Gatsby, trouxe faixas de artistas como Jay-Z, Beyoncé, André 3000 (Outkast), will.i.am (Black Eyed Peas) e Q-Tip. E em 2003, o filme “G”, dirigido por Christopher Scott Cherot, transformou Gatsby num magnata negro da música hip hop que busca reconquistar o amor de sua vida, Daisy Buchanan.

A estrutura narrativa do livro é voyeurística: vemos as festas nababescas da mansão de Gatsby em Long Island pelos olhos de um sujeito sem status social para frequentá-las, Nick Carraway, o narrador da história. Carraway aluga um bangalô humilde que fica ao lado da imponente mansão de Gatsby, de onde vê a movimentação no jardim e a chegada de carros de último modelo trazendo os “jet-setters” de Nova York para os rega-bofes disputados de Gatsby. Nas primeiras quarenta e tantas páginas do livro (exatas 44 páginas na edição brasileira, com tradução brilhante de Brenno Silveira), Gatsby não aparece. Ele é um espírito, uma entidade, pairando sobre a vida dos convivas, muitos, segundo Carraway, não convidados para as festas: “As pessoas não eram convidadas, iam para lá. Metiam-se em automóveis que as conduziam a Long Island e, de algum modo, acabavam sempre parando à porta de Gatsby”.

Carraway acaba convidado para uma das festas pelo próprio Gatsby, curioso por conhecer o vizinho pobretão. E a vida dos dois se entrelaça: Carraway é primo distante de Daisy Buchanan, o amor da vida de Gatsby, mas o casal se separa quando Gatsby vai lutar na Primeira Guerra e Daisy acaba se casando com Tom, um brutamontes insensível e racista, que a trai com Myrtle, esposa do dono de um posto de gasolina.

A história reflete a vida do próprio Fitzgerald, que, aos 18 anos, se apaixonou por uma socialite ricaça de 16, Ginevra King, só para ver o romance proibido pelos pais dela, que não aprovaram a união da filhinha com um pé-rapado. Fitzgerald vai para a Guerra e descobre, durante o combate, que Ginevra havia se casado com um rico executivo, mas ele acaba conhecendo e se apaixonando por Zelda Sayre, com quem se casa em 1920, depois de fazer sucesso com o romance de estreia, “Este Lado do Paraíso”. F. Scott Fitzgerald morreu de um ataque do coração em 1940, aos 44 anos, bêbado e falido. Deixou quatro coletâneas de contos, quatro romances e um quinto, “O Último Magnata”, inacabado. Não viveu sequer para ver as tropas norte-americanas na Segunda Guerra receberem cópias de “O Grande Gatsby” – foram mais de 120 mil exemplares enviados para a linha de combate – ou para aproveitar a reavaliação crítica de sua obra, que acontece com força na década de 1960. Fitzgerald morreu, mas Gatsby vive e está cada dia mais saudável, ainda acreditando na “luz verde” e no “orgiástico futuro que, ano após ano, se afastava de nós”.

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