set/2024

Pulp Fiction: 30 anos de um ícone

Por André Barcinski

Pulp Fiction: 30 anos de um ícone

Por André Barcinski

Cada década do cinema é marcada por determinados filmes. “O Poderoso Chefão” é “a cara” dos anos 70, assim como “E.T” virou um símbolo do cinema escapista da década de 80. E daqui a cem anos, quando alguém for estudar o cinema dos anos 90, um título vai se destacar sobre todos os outros: “Pulp Fiction”.

Trinta anos depois de seu lançamento, a obra-prima de Quentin Tarantino sobrevive como o exemplo perfeito de um tipo de cinema feito por um tipo específico de cineasta: o rato de videolocadora. E ele não estava só: no mesmo período, até mais ou menos a virada dos anos 2000, outros ratos de videolocadora fizeram grandes filmes: os Irmãos Coen lançaram “Fargo” e “Onde os Fracos Não Têm Vez”, Steven Soderberg fez “Traffic”, e Paul Thomas Anderson filmou “Boogie Nights” e “Sangue Negro”. Foi o último suspiro do cinema autoral em Hollywood, antes de ela ser infantilizada e engolida por franquias e filmes de super-heróis.

Mais que um filme, “Pulp Fiction” é um compêndio de tudo que o pequeno Quentin viu na adolescência em drive-ins e pocilgas poeirentas: filmes B de gângsteres sanguinários, pancadaria de artes marciais, “blaxploitation” (cinema de ação com elenco negro), filmes “noir”, enfim, tudo que o cinema produziu de mais violento, escapista e divertido. Até a maleta enigmática do filme é um tributo, no caso a “Kiss Me Deadly” (no Brasil, “A Morte Num Beijo”), icônico filme policial dirigido em Robert Aldrich em 1955.

Vi “Pulp Fiction” na estreia nos Estados Unidos, em outubro de 1994, e a sensação foi a mesma que o público deve ter experimentado ao ver pela primeira vez “O Poderoso Chefão” ou “Taxi Driver”: a de estar presenciando algo novo e revelador. Era um filme aparentemente desconjuntado – várias histórias que se intercalam, com personagens que entram e saem de cada uma delas – mas que, em meio ao caos, tem uma coesão narrativa que só poderia ter saída da cabeça de um gênio hiperativo como Tarantino, um cineasta que, a exemplo do ídolo Brian De Palma, faz filmes sobre outros filmes, porque a vida nunca será tão excitante quanto um filme.

“Pulp Fiction” já nasceu clássico e sua influência perdura até hoje, seja em videoclipes, em trilhas sonoras que resgatam hits perdidos do rockabilly e da soul music e em filmes que usam os mesmos diálogos rápidos e cheios de referência à cultura pop. A partir de mil influências, Tarantino criou um estilo próprio e facilmente reconhecível. “Ih, mais um imitador do Tarantino!” é uma das frases mais ouvidas nos últimos 30 anos em salas de cinema mundo afora.

Tarantino viu tantos filmes que adquiriu uma espécie de intuição para adivinhar o que vai magnetizar um público mais interessado em comer pipoca. Por que diabos alguém faria uma cena de dança como a de Uma Thurman e John Travolta em “Pulp Fiction”? É uma sequência que não tem importância estrutural dentro da história, e o filme poderia ter sobrevivido perfeitamente sem ela. Mas Tarantino sabia o potencial “cool” daquela imagem. Ter John Travolta, o Tony Manero da discoteca, requebrando desajeitadamente e fazendo sinais com as mãos que remetem ao Batman diante de uma gata loura e gélida, femme fatale de mil “noirs”, é uma combinação que explode na tela com a energia de uma sessão tripla de drive-in.

E os monólogos de Samuel L. Jackson? E Bruce Willis e Ving Rhames às voltas com um psicopata sádico? E Amanda Plummer e Tim Roth assaltando o restaurante? E Harvey Keitel limpando a bagunça de sangue e vísceras no carro? E Christopher Walken contando ao menino Bruce Willis de onde tirou o relógio de ouro do pai? São tantas as sequências e personagens memoráveis, e tão incontáveis as referências a outros filmes, atores e cineastas, que “Pulp Fiction” precisa ser visto e revisto várias vezes, como um lembrete de que o cinema, como escrito no saco de pipocas da rede Severiano Ribeiro, é a maior diversão.

Uma ótima semana a todas e todos!

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