Anatomia de uma foto clássica
Em 15 de maio de 1977, o repórter fotográfico Ronaldo Theobald foi escalado pelo “Jornal do Brasil” para fotografar o jogo Portuguesa (RJ) vs. Vasco, que aconteceria no Estádio Luso-Brasileiro, na Ilha do Governador.
“Quando a equipe do Vasco saiu do vestiário para o campo, os torcedores se comprimiam junto ao gradil e estendiam as mãos para tocar seus ídolos”, disse Theobald, anos depois, ao site oficial do Vasco, “Parecia uma cena bíblica, algo mágico. Fiquei imaginando como registrar aquilo. No intervalo da partida, me deitei, discretamente, no chão do túnel e, à medida que os jogadores retornavam para o segundo tempo, ia dando meus cliques. Meu alvo era Roberto Dinamite, o ídolo maior. Quando disparei a câmera, sabia que ali estava a mais bela foto da minha vida”.
E foi mesmo. A foto – batizada “Deus de calção e chuteira” venceu o prestigiado Prêmio Esso daquele ano e tornou-se uma das imagens icônicas do esporte brasileiro.
Onze anos depois, em 1988, consegui meu primeiro emprego de fotógrafo, também no “Jornal do Brasil”, e tive a sorte de conhecer Ronaldo Theobald. Naquela época, a equipe de fotografia do “JB” era um verdadeiro “Dream Team”: Custódio Coimbra, Sergio Moraes, Adriana Lorete, André Durão, Bruno Veiga, só fera. Os grandes nomes da equipe eram Orlando Brito, excepcional fotógrafo de cobertura política, e o mitológico Evandro Teixeira. Sabe a imagem do motociclista da FAB caindo da moto enquanto a moto continuava andando? É do Evandro.
Eu era obcecado por fotojornalismo esportivo e ficava horas ouvindo as histórias de Theobald e Evandro sobre as coberturas de Copas do Mundo. Theobald esteve no México, em 1970, assim como outro fotojornalista esportivo que eu adorava, Ari Gomes, que naquela época já deixara o “JB” pela “Placar”. Ari era tão bom que o apelido dele era “Ari Cagada”, porque tudo parecia acontecer na frente dele. Lembra a imagem de Pelé, de braço levantado, pulando nos ombros de Jairzinho? É do Ari.
Theobald era um fotógrafo das antigas e deliciava os mais novos com histórias incríveis. Uma das primeiras lentes que usou para fotografar futebol era uma teleobjetiva russa, tão comprida e pesada que precisava ser sustentada num monopé. O foco era feito com um gatilho, que aproximava ou afastava os elementos óticos para obter a imagem em foco. Era dificílimo acertar o foco de um objeto parado com aquele monstrengo, quanto mais fotografar Pelé correndo a cem por hora.
No Natal de 1988, o editor me mandou para uma cobertura do mesmo estádio da foto icônica de Roberto Dinamite, na Ilha do Governador. Eu era “foca” e não ia fotografar uma partida de futebol, mas a chegada de Papai Noel, que distribuiria presentes para crianças pobres.
Eu conhecia bem aquele estádio. Nos anos 70, morei na Ilha do Governador, vi muitos jogos lá e, por grande coincidência, era quase vizinho de Roberto Dinamite, que morava na Rua Babaçu, no bairro Jardim Guanabara.
Decidi fazer uma piada com Theobald. Quando Papai Noel saiu de dentro do estádio e rumou para o gramado, passou pelo mesmo túnel de grade em que Dinamite havia caminhado 11 anos antes. Achei um ângulo parecido com a foto de Theobald e cliquei o bom velhinho carregando um saco de presentes.
De volta à redação, pedi ao laboratorista para ampliar a foto e a colei no armário em que Theobald guardava o equipamento dele, com algo bobo escrito na foto, como “Prêmio Esso 1988”. Quando viu a foto, Ronaldo quase chorou de rir. Até hoje me xingo por não ter guardado uma cópia.
Ronaldo Theobald morreu semana passada, no Rio de Janeiro, aos 91 anos. Foi um grande fotojornalista e um sujeito formidável.
Uma ótima semana a todas e todos.
16 comentários em "Anatomia de uma foto clássica"
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Que homenagem linda! Parabéns pelo texto.
Valeu, Moacir!
Fotógrafos “raiz”, como dizem. Imagino que fotografar o Nirvana ou o Mudhoney ao vivo, também não deve ter sido fácil!
Era mais difícil porque não era tão fácil “consertar” as imagens se você fotometrasse errado.
André, e foi coincidência um texto sobre um cracaço do fotojornalismo numa imagem sobre um craque de bola no aniversário da primeira década no momento de maior humor involuntário da história do futebol, o 7×1???
Total coincidência, só soube do aniversário do 7×1 hoje!
Foto incrível. Sou fotógrafo também e amei a história. Estreando meus comentários por aqui, André. Assinante novo… sou o cara que estava com a camiseta do Zé do Caixão no show do Sullivan e Massadas, com quem você conversou.
Demais, Rafael, espero que goste do site. Camisa do Mojica no show do Sullivan e Massadas, é sinal de ecletismo! Abraço!
Foto espetacular e uma bela homenagem!
André, essa foto do Roberto Dinamite no Estádio dos Ventos Uivantes é antológica, uma das melhores do futebol em todos os tempos em qualquer lugar do mundo!!!!
E você acha que as Redes Sociais valorizaram o fotojornalismo, ou acontece com ele o que ocorre com a Música, por exemplo?
Acho que não, porque hoje há um excesso de imagens.
Fala Barcinski!
Você acha que a tecnologia acabou tirando um pouco da “poesia” da arte de tirar fotos? Hoje em dia é muito mais fácil imagino.
PS: Sábado fui no show do Sullivan & Massadas. Muito bacana, parabéns a todos!
Que bom que gostou do show, fico feliz. E acho sim, hoje qualquer celular “tira fotos”, é moleza modificar uma imagem.
Bob dynamite e zico são os maiores idolos infantis do futebol brasileiro-Arthur ainda é um nome ultra comum nos dias de hoje e o filho do médio Carmona chama-se Roberto não a toa
Que bela homenagem ao Theobald Xará. Demais.
Valeu demais, xará!