dez/2024

Antes tarde do que nunca: “Folhas de Outono”

Por André Barcinski

Antes tarde do que nunca: “Folhas de Outono”

Por André Barcinski

Alguns filmes passam batido por nós. Foi o caso de “Folhas de Outono”, do finlandês Aki Kaurismäki. Lançado em 2023, ganhou o Prêmio do Júri em Cannes e recebeu ótimas críticas, mas, por alguma razão inexplicável, não me motivei a assisti-lo. Até que o filme entrou na plataforma MUBI e resolvi dar uma chance. Ainda bem que tomei essa decisão, porque é um dos melhores filmes de 2023 e 2024.

Aki Kaurismäki tem 67 anos e 20 longas-metragens no currículo. É irmão mais novo de outro cineasta talentoso, Mika Kaurismäki, que mora no Brasil desde os anos 1990 e filmou bastante por aqui.

“Folhas de Outono” é um filme tão brilhante e simples em sua concepção e realização, que seu estilo espartano pode parecer, para alguns, sinônimo de desleixo. Mas é uma obra de um rigor estilístico notável.

O filme conta a história do romance de duas pessoas que aparentam estar na casa dos 40 anos, Ansa (Alma Pöysti) e Holappa (Jussi Vatanen). Ambos trabalham em empregos que não demandam grande qualificação – Ansa é estoquista de supermercado, Holappa trabalha com limpeza com jato de areia numa fábrica – e vivem vidas inteiramente solitárias e monótonas.

Ansa e Holappa se conhecem num karaokê. Aliás, “se conhecem” é forçar um pouco a barra, porque os dois são tão tímidos e antissociais que não trocam uma palavra.

Não vou dar nenhum “spoiler”, mas posso dizer que a maneira como Kaurismäki filma o desenrolar desse caso de amor é brilhante. “Folhas de Outono” é tão elegante e conciso em sua narrativa que parece um filme mudo. Os diálogos, quando ocorrem, são poucos, e muitas vezes não têm nada a ver com o desenrolar da cena, o que provoca no espectador um estranhamento tão incômodo quanto hilariante. Cenas dramáticas são interrompidas pelos rádios de Ansa ou de Holappa (eles não têm TV) informando sobre a invasão russa na Ucrânia. Da primeira vez que isso acontece, você acha esquisito. A partir da segunda vez, é impossível não rir.

Assistindo a “Folhas de Outono”, lembrei Jacques Tati e seu estilo visual tão particular e um tanto surrealista. O humor do filme é lacônico e ácido, e me remeteu imediatamente ao cinema tcheco dos anos 60, de grandes comédias dramáticas como “Trens Estreitamente Vigiados” (Jiri Menzel) e “O Baile dos Bombeiros” (Milos Forman). Há claras citações a obras-primas do cinema como “Desencanto”, de David Lean, e “Luzes da Cidade”, de Chaplin, e várias cenas se passam num cinema, onde Ansa e Holappa assistem ao filme de zumbi “Os Mortos Não Morrem”, de Jim Jarmusch, e cuja fachada é decorada com cartazes de filmes de Godard. Mas não é preciso pescar as referências para se apaixonar por esse filme.

“Folhas de Outono” é uma comédia romântica de estilo muito pessoal. Não é um filme fácil, e quem não embarcar na sua viagem pode achar a experiência tediosa. Mas eu fiquei absolutamente vidrado na história e no talento narrativo de Aki Kaurismäki.

Um ótimo fim de semana a todas e todos.

10 comentários em "Antes tarde do que nunca: “Folhas de Outono”"

  • Gosto muito dos filmes desse diretor. “O Homem Sem Passado” também é maravilhoso.
    Ah, o “rei do karaokê” de “Fallen Leaves” aparece como ator principal num outro filme dele “Lights In The Dusk”.

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    Cassiano Luiz Souza Moreira

    Barça, a Mubi tem uma série de filmes do Kaurismaki e um tempo atrás eu assisti um atrás do outro sem parar, pelas qualidades que vc bem sintetizou. Recomendo, em ordem de preferência: O Homem Sem Passado, Contratei um Matador (com a presença de Jean-Pierre Léaud), Sombras No Paraíso, O Porto, Nuvens Passageiras e O Porto.

  • Fala Barcinski. Vou ver com certeza!

    Outro que estou com vontade de ver é “The Nickel Boys” baseado na obra do Colson Whitehead. Algumas publicações têm indicado ele como um dos melhores desse ano.

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    Rodolfo Petelinkar

    Vi no cinema! O diálogo no bar “Estou deprimido”, “Por que está deprimido”….. rs é fantástico!!! André.. procura o filme “The Last Stop in Yuma County” um dos filmes mais “divertidos” que assisti nos últimos tempos que ninguém viu!

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    Flavio V M Costa

    Acho que toda filmografia dele tá disponível no MUBI. Gosto principalmente de O Homem sem passado (talvez seja o mais conhecido filme dele, foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro). É interessante perceber como os temas dele se repetem e o cara vai refinando o estilo ao longo do tempo. Sombras do Paraíso, de 1986, tem um mote muito parecido, essa estória de amor entre operários. As trilhas são muito boas, sempre tem uma cena de uma banda tocando uma espécie de bolero finlândês. Grande cineasta.

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    Cleibsom Carlos Alves Cabral

    Sabe aquele tipo de sofrimento retratado nas letras do Morrissey? Pois é isso que temos em Folhas de Outono. A comiseração e a melancolia retratadas no filme, de tão exacerbadas, se aproximam perigosamente da afetação. Mas, assim com o Smiths é uma grande banda e Morrissey tem uma carreira solo pelo menos decente, Folhas de Outono é um bom filme, apesar dos pesares.

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