mar/2025

“Bateau Mouche”: série revive um crime brutal

Por André Barcinski

“Bateau Mouche”: série revive um crime brutal

Por André Barcinski

Em 31 de dezembro de 1988, eu era “foca” da editoria de Fotografia do “Jornal do Brasil” e estava num apartamento luxuoso no Leme, zona sul do Rio, fotografando uma matéria sobre o Réveillon dos ricaços cariocas, quando o motorista do carro do “JB” me chamou e disse ter ouvido no rádio uma notícia sobre um acidente naval ocorrido pouco antes. O Bateau Mouche, um barco turístico conhecidíssimo no Rio, teria afundado.

O repórter e eu saímos correndo para o restaurante Sol e Mar, na Praia de Botafogo, de onde saía o Bateau Mouche. Quando chegamos, a cena era aterrorizante: pelo menos 20 cadáveres estavam jogados no chão de cimento do cais do Sol e Mar. As fotos que fiz naquela noite foram tão pesadas que nunca foram publicadas e devem estar perdidas no arquivo morto do “JB”.

Trinta e sete anos depois, a “Folha” me pediu para entrevistar a equipe responsável pela série documental “Bateau Mouche: o Naufrágio da Justiça”, que estreou ontem na HBO.

Em três episódios, a produção detalha o caso do naufrágio do barco Bateau Mouche IV, que virou e afundou na noite de 31 de dezembro de 1988 quando rumava, superlotado de turistas, para as águas da Praia de Copacabana, onde os passageiros esperavam ver a queima de fogos. Cinquenta e cinco pessoas morreram, incluindo a atriz Yara Amaral.

Dirigida e produzida por Tatiana Issa e Guto Barra, responsáveis pelo sucesso “Pacto Brutal: O Assassinato De Daniella Perez”, a série entrevista sobreviventes, exibe cenas de arquivo e recria, por meio de reconstituições dramáticas, o naufrágio.

Os dois primeiros episódios são dedicados às histórias das vítimas e a relatar como o Bateau Mouche IV naufragou. O terceiro episódio conta o longo processo de julgamento dos acusados, empresários espanhóis que mantinham diversos empreendimentos turísticos no Rio de Janeiro. A Marinha também foi acusada por ter liberado alvarás e permissões para os barcos do grupo Bateau Mouche, apesar de muitos questionamentos quanto à segurança das embarcações. Ninguém conseguiu explicar, por exemplo, como o Bateau Mouche IV, que tinha autorização para receber 28 passageiros, teve sua capacidade legal expandida para 153 pessoas. A Marinha foi convidada a dar sua versão na série, mas não quis participar.

“O Bateau Mouche foi um caso muito marcante para o Brasil”, diz a diretora Tatiana Issa. “Pessoalmente foi marcante para mim, eu estava no velório da Yara [Amaral, atriz], eu ainda era adolescente, mas aquilo me marcou muito. Acho que a série, para além daquele terrível acontecimento, traz um ‘suco de Brasil’, de coisas que são intrínsecas à nossa sociedade, como a corrupção e a morosidade da Justiça. É uma discussão muito importante, até porque continuamos a ver casos semelhantes, como os de Mariana e Brumadinho. A gente continua cometendo os mesmos erros”.

“Tivemos grande dificuldade para ter acesso aos autos do processo”, diz o diretor Guto Barra. “Levamos quase um ano para conseguir analisar os documentos. É um material imenso, que nunca foi digitalizado e estava pronto para ser incinerado. É uma história muito importante que está sendo apagada”.

Devido à escassez de material de arquivo sobre o acidente – não há imagens do barco saindo do restaurante Sol e Mar na Praia de Botafogo e tampouco imagens de dentro do barco feitas no dia do naufrágio – a série utiliza recriações dramáticas para contar os momentos de agonia ocorridos após o Bateau Mouche IV virar. “As primeiras imagens feitas naquela noite ocorreram quando alguns barcos trouxeram sobreviventes e corpos de vítimas”, diz Guto Barra. “Tivemos um grande desafio criativo que foi o de dramatizar de forma eficiente aquela história. A Warner [empresa dona da HBO] entendeu a necessidade dessas dramatizações. Filmamos num tanque de ondas no Rio de Janeiro, foi uma parte muito importante da série”.

Issa e Barra ressaltam o cuidado que precisaram ter durante as entrevistas com os sobreviventes e familiares de vítimas do naufrágio. “Fizemos a série com muito cuidado, tentando contar aquela história brutal, mas com muita atenção e respeito às vítimas, assim como fizemos na série da Daniella [Perez]” diz Issa. “Em algumas entrevistas, como a do Fernando [Amaral, filho da atriz Yara Amaral], a equipe de filmagem inteira chorou, foi uma coisa muito forte”.

Patricio Diaz, Gerente Sênior de Produção de Conteúdos de Não-Ficção da Warner Bros. Discovery, diz que “Bateau Mouche: o Naufrágio da Justiça” representa “uma evolução” nos conteúdos de “true crime”: “Estamos saindo do que é clássico no gênero, o sangue, crimes, assassinos seriais, e contando um evento, com todo rigor jornalístico, fazendo obra definitiva sobre o assunto. Tudo com recriações bem feitas e um valor de produção incrível, para que a pessoa possa entender o acontecimento como um todo”.

Adriana Cechetti, Diretora de Produção e Desenvolvimento de Conteúdos de Não Ficção da Warner Bros. Discovery Brasil, define a série como “um true crime diferente”: “Temos uma grande preocupação com o tipo de história que a gente quer contar, que são histórias que gerem conversa e discussão, que tenha temas atuais, e que possam ter algum reflexo positivo para os envolvidos”. 

Um ótimo dia a todas e todos.

8 comentários em "“Bateau Mouche”: série revive um crime brutal"

  • Excelente a série! eu tinha 16 anos à época e me lembro muito bem da repercussão brutal do naufrágio na imprensa. Chocante! e como disse a diretora, um retrato fiel do Brasil, ainda hoje….ou seja, não aprendemos muito com o caso…

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    Marcii Bukowski

    Me lembro muito desse caso. Tinha 16 anos. O Brasil realmente é um celeiro dessas “tragédias”. Eu assisti a docusérie sobre o incêndio no Ninho do Urubu e é muito revoltante. Os caras receberam só 31 multas alertando sobre as irregularidades no local antes da “tragédia”…

    Vou assistir a do Bateau. Valeu a dica!

  • Imperdível! Vou ver o quanto antes… Eu era crainça na época e lembro de ficar assustado vendo as notícias sobre o caso. Foi muito impactante na época.
    E a Tatiana Issa, além de lindíssima, é uma Diretora taletosa.

  • Lembro do caso Bateau Mouche e da repercussão, na época tinha 15 anos .
    Penoso duplamente para os familiares: além de lidarem com a perda trágica de seus entes queridos, se depararam através das décadas com a morosidade da justiça.

  • Me lembro dessa tragédia e irei assistir ao seriado, gostei muito de “Pacto Brutal”.

    E é curioso, estava vendo o novo filme do Errol Morris na Netflix sobre o Charles Manson (curto demais, deveria ter sido uma minissérie), e ele foi muito criticado por ter sido um dos pioneiros em usar recriações em documentários, e hoje em dia isso é aceito normalmente.

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