Crítica: “Sonny Boy”, de Al Pacino
Autobiografia é uma coisa complicada. Nem todo grande artista ou personalidade é um bom editor da própria história. Muitas vezes, o que pode parecer interessante para o biografado perde força quando impresso na página.
Algumas autobiografias funcionam, especialmente quando o personagem recebe ajuda valiosa de algum(a) autor(a). Gostei bastante dos livros de Bruce Springsteen, Werner Herzog, Nile Rodgers e Ozzy Osbourne. Já os volumes sobre Rita Lee e André Midani frustraram minhas altas expectativas.
“Sonny Boy”, autobiografia de Al Pacino, ficou no meio desses dois grupos. O livro acaba de sair em português. É uma leitura agradável e com boas histórias, mas fica aquém do que se espera da trajetória de um dos maiores atores da história do cinema. Estamos falando, afinal, de um sujeito que fez pelo menos sete grandes obras do cinema – “O Poderoso Chefão”, “Serpico”, “O Poderoso Chefão 2”, “Um Dia de Cão”, “Scarface”, “Carlito’s Way” e “Fogo Contra Fogo” – além de outros filmaços como “O Informante”, “Espantalho”, “Os Viciados” e “O Sucesso a Qualquer Preço”. Isso sem contar a incrível carreira de Pacino no teatro e televisão.
Não espere grandes revelações ou incríveis histórias de bastidores sobre Hollywood e os filmes que ele fez. Pacino é capaz de passar batido por “Carlito’s Way” (a única informação sobre o filme é a de que ele saiu diretamente da cerimônia do Oscar, quando ganhou por “Perfume de Mulher”, para filmar com Brian De Palma). Não há UMA LINHA sobre o trabalho com Sean Penn e Penelope Ann Miller.
Filmes clássicos e que renderiam livros inteiros, como “Scarface”, merecem pouco espaço e nenhuma informação que qualquer pessoa bem informada já não tivesse (para não ser injusto, Pacino conta como queimou a mão na metralhadora de Tony Montana, o que deu a De Palma mais tempo pra filmar, sem Tony, o tiroteio final).
A melhor parte do livro é o início, quando o ator relata sua infância e a vida difícil no sul do Bronx, em Nova York, com o pai ausente e a mãe com sérios problemas de depressão. O menino faz amizade com gangues barra pesada – a maioria dos amigos morre de droga ou tiro – e encontra no teatro e cinema válvulas de escape para as frustrações. É bonito o trecho em que ele recorda o momento EXATO, no meio de uma peça, em que as palavras do texto saíram de sua boca e ele descobriu, como por encanto, que podia se metamorfosear no personagem que escolhesse.
Pacino era um beatnik, uma alma livre que não se importava com nada a não ser o teatro. Dormia no sofá de amigos e chegou a trabalhar de zelador num prédio em Nova York, morando num cubículo, só para custear aulas de interpretação. Era office boy quando conheceu outro fanático pelo drama, um tal de John Cazale, com quem dividiu vários palcos em produções furrecas até explodirem, os dois, em “O Poderoso Chefão”.
Algumas das poucas histórias realmente interessantes de filmagens vêm desse trabalho. Pacino conta como ia ser despedido do elenco pelo estúdio Paramount, que não estava impressionado com as cenas que havia visto de Michael Corleone, e foi salvo por Coppola, que mudou a ordem das filmagens de certas cenas só para poder mostrar ao estúdio a antológica cena no restaurante em que Michael mata o mafioso Solozzo (Al Lettieri) e o corrupto chefe de polícia McCluskey (o extraordinário Steling Hayden). Pacino conta, emocionado, como recebeu ajuda de Lettieri e Hayden e lembra que estava tão nervoso na filmagem que, ao saltar no carro em movimento depois do crime, errou o cálculo e se estabacou no asfalto, machucando feio o quadril.
Aqui e ali, dá para pescar informações muito interessantes no livro – a admiração que Pacino e De Niro tinham por Dustin Hoffman, que havia estourado antes dos dois com “A Primeira Noite de um Homem” (1967) e “Perdidos na Noite” (1969) e o impacto que a chegada desses três atores causou no então emergente cinema da Nova Hollywood. Havia algo de novo acontecendo, e isso assustou o pessoal da velha geração, conta De Niro.
Algumas informações foram novidade para mim: Sidney Lumet iria dirigir “Scarface”, mas foi despedido pelo produtor Martin Bregman, que preferiu a versão mais kitsch e exagerada de Brian De Palma; De Niro queria Pacino para atuar com ele em “1900”, de Bernardo Bertolucci, mas Pacino odiou o roteiro e recusou por “não conseguir entender meu personagem”.
Enfim, “Sonny Boy” não é o livro biográfico que Al Pacino merece, mas vale a leitura.
Um ótimo dia a todas e todos.
16 comentários em "Crítica: “Sonny Boy”, de Al Pacino"
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Terminei o livro neste exato momento. Como você falou no texto, é bem irregular. Há momentos de reflexões interessantes, porém outros que é pura viagem na maionese. Espero que um dia alguém faça um livro sobre a obra dele.
André, falando em livros, esse aqui promete ser interessante, não acha:
https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2024/11/livro-sobre-a-globo-detalha-relacao-complexa-e-tensa-da-emissora-com-a-ditadura.shtml
Parece sim, vou comprar.
André, num dia de luto pesado na Música, com os falecimentos do Quincy Jones e do Agnaldo Rayol, eu imagino que um livro só não é suficiente para descrever toda a carreira do Al Pacino, e sim, uma série, ou uma trilogia…
Quarta escrevo sobre o Rayol.
André,
O Al Pacino tem algum trabalho interessante fora da indústria norte-americana ?
Lembro de ter visto recentemente o Robert De Niro na minissérie argentina “O faz nada” (2023, disponível na Disney +) e achado muito legal.
Que eu saiba, nada, e nada é citado no livro.
Está série é muito boa,só achei muito curta.
Cara, nunca achei Scarface tudo isso… sempre tive a impressão de que o Pacino também não é muito fã do filme e da atuação dele ali (o sotaque não está bom, convenhamos). Mas pra mim, depois do Brando, vem ele na lista de melhores atores americanos. Vou ler, com certeza!
Cara, demais as fotos do show do Sleaford Mods, queria ter ido só pra tirar uma foto contigo. Abraço.
Pena que não foi, showzaço.
Qual a melhor atuação dele, na tua opinião, André?
Difícil, mas acho que escolheria “Um Dia de Cão”.
O livro está no kindle, esperando pra ser lido… me deste o empurrão necessário pra mergulhar nele, obrigado, começo quando chegar em casa. Um pequeno spoiler: ele segue não falando sobre meu filme favorito dele, que é ‘Parceiros da Noite’? Ouço histórias de terror sobre quem faz perguntas pra ele sobre o tema, algo sobre caras feias e respostas ríspidas, do tipo ‘não falo sobre esse assunto’…
Passa voando pelo filme e não fala nada que a gente já não soubesse. Pena.
Andre bom dia. Seu site e muito bom e tenho aprendido muito e anotado as dicas. O livro ainda não tem em português e isso?
Muito legal que esteja gostando, Fellipe, fico feliz. Olha, até adicionei ao texto, o livro saiu no Brasil sim. Abraço.